Machismo: depoimentos reais de uma realidade surreal
Conheça alguns relatos que provam que o discurso machista está muito presente em nossa sociedade e o quanto precisamos avançar
Existem coisas na vida que estão tão arraigadas nos costumes e no dia a dia que nem se percebe o quanto elas fazem mal para a sociedade. É muito frequente vivenciar ou presenciar determinadas situações que parecem comuns e sem importância, mas que, na verdade, têm grande impacto na vida das pessoas. Este é o caso do machismo.
Veja alguns exemplos de atitudes e pensamentos machistas que permeiam o cotidiano, mas que passam muitas vezes despercebidos apesar de estarem longe de serem inofensivos.
Machismo: mudança de pensamento
A bacharela em direito Ana Falcão é um exemplo de que é preciso começar a observar melhor o mundo à nossa volta para entender o machismo que está implícito em nossas próprias ações e discursos. “Eu comecei a me interessar pelo feminismo faz pouco tempo, mas já tive que desconstruir bastante coisa. E constantemente me pego com esse pensamento enraizado em mim. É um trabalho de desconstrução constante”, afirma.
Exemplo disso, segundo Ana, é a reação face a certas atitudes que chocam quando, e somente quando, cometidas por mulheres: como expressar o desejo de fazer sexo sem compromisso ou a vontade de não ter filhos. Nessas situações a integridade e sensibilidade da mulher são (condundentemente) questionadas. O que geralmente não acontece quando tais declarações saem da boca de um homem.
“Nós mulheres nos vemos minadas em maior ou menor nível com ‘exigências’ e ‘expectativas’ irracionais e impensáveis no mundo masculino”, reforça, lembrando que estes são apenas alguns dos exemplos. “O machismo não conhece ponto final”, conclui.
As ofensas e clichês que reforçam o machismo
Após contar em seu blog situações ocorridas no trânsito, a bacharela em Ciências Sociais Danielle Freitas faz diversas reflexões sobre as ofensas e clichês que são desferidos contra as mulheres no dia a dia.
“Sou mulher e essa não foi a primeira e, provavelmente, não será a última ofensa no trânsito que ouvirei (e não só no trânsito). (...) Seja pelos estresses da vida, pelo trânsito desorganizado, clima, imprudências, imperícias, enfim, o desrespeito impera e os preconceitos tomam forma e fala”, destaca Danielle.
A blogueira afirma que mesmo atitudes contrárias servem de motivo para se ofender a mulher: “se é prudente: ‘tinha que ser mulher! Essa puta lerda’; Se não é prudente: ‘tinha que ser mulher! Roda dura! Mulher louca!’”. Isso monstra que a agressividade contra o sexo feminino é justificada por clichês absurdos. A mulher sai sempre perdendo, segundo Daniella, pelo simples fato de mulher ou, pior, de ser mulher e fazer algo que “não é coisa de mulher”, como seria o caso de dirigir.
Prazer dividido, responsabilidade nem tanto...
Não são poucos os casos em que a mulher é colocada como culpada em uma situação que deveria ser de responsabilidade dos dois, como a contracepção, por exemplo. Em um dos artigos publicados em seu blog a jornalista Pollyanna Dias conta sua experiência que ilustra bem esse tipo de machismo.
Pollyanna teve uma gravidez não planejada e, apesar das dificuldades, enfrentou a situação. Seu companheiro, entretanto, agiu de maneira bastante diferente. Leia o relato da jornalista abaixo:
“Descobri a gravidez numa quinta-feira e, assim que confirmei com o beta, na sexta, esperei algumas horas para abordá-lo e tentar marcar um encontro para revelar a novidade assustadora. Na manhã seguinte comecei a enviar mensagens. Ele me respondia educado, mas com uma certa distância. (...) No sábado à noite, sem resposta e muito nervosa com a recente descoberta, contei por texto mesmo. Fui impaciente e não usei palavras afáveis. Duas horas depois ele me ligou.
A primeira reação que me apresentou foi a de desespero. Chorou. No dia seguinte, a negação: “não, você não está grávida. O positivo do teste de farmácia está errado. É uma gravidez psicológica. Quero ver o beta na minha frente para ter certeza”. O beta deu positivo também, enviei a foto.
Quando conversou comigo pela primeira e única vez em que nos encontramos cara-a-cara desde que descobri a gravidez, desejou que eu fizesse um aborto (não sou contra, mas isso não significa que faria um). Chorou por diversas vezes. “Nunca quis ser pai”, ele disse. “Como você já tinha vontade de ser mãe, mesmo que inconscientemente, nos direcionou para isso. Eu não. Não queria ser pai”, se explicou (?).
A reação seguinte, já por mensagens de voz e texto, foi de grosseria. Me disse que engravidei de propósito, que planejei sozinha ter um filho dele. Ele sabia que eu não tomava a pílula (parei faz tempo). Pedi, mas ele não usou camisinha nas últimas vezes em que nos encontramos (...). Aparentemente, coito interrompido tem que funcionar. E quando não funciona? Ah… a culpa é sua, querida (mesmo quando falta prudência nos dois). Também tive que escutar: “Você que quis ser mãe, então, arque com os custos pelo menos da gravidez. Não vou te sustentar.” Como se eu quisesse ser sustentada por homem. Capaz! Sempre me virei muito bem sozinha, obrigada!
Depois de diversas teorias malucas sobre o que fiz ou deixei de fazer, exigi respeito. (...) Me comprometi a mantê-lo informado sobre tudo o que diz respeito ao bebê. (...) Envio todos os exames e comunico o teor das consultas. Desde o primeiro e-mail que enviei que ele anda sumido.”
Relatos como estes são muito mais comuns do que se imagina e não vão diminuir até que se tenha consciência do quanto certas atitudes são prejudicias à mulher e também ao desenvolvimento da sociedade brasileira.
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