Porn revenge: Sociedade precisa entender que a culpa não é das mulheres
Divulgação de fotos íntimas na internet, a porn revenge, é mais um exemplo de violência contra mulheres que deve ser combatida com coragem das vítimas, apoio psicológico e mudança da sociedade
Fruto de uma sociedade machista, a exposição de fotos ou vídeos íntimos, chamada de porn revenge, afeta sempre mais as mulheres do que os homens. “No caso do vazamento de imagens do ator Stênio Garcia e sua esposa, ficou evidente como é diferente a exposição e o trauma para homem e mulher”, comenta a psicóloga Marcela Abreu, especialista em psicologia social.
No episódio citado por Marcela, em que Stênio e sua esposa, Marilene Saade, tiveram uma foto de nu frontal compartilhadas nas redes sociais, os comentários em torno do tamanho e potência do órgão sexual do ator foram em tons elogiosos, enaltecendo a virilidade de um homem de quase 80 anos...
Já quando são as apenas as mulheres que aparecem em fotos nuas, a desqualificação e a hostilidade às vítimas mostram o contraste no tratamento de homens e mulheres na sociedade.
Um crime fruto do machismo
Embora a porn revenge já seja considerada crime, a vingança não existiria, ou ao menos seria atenuada, se as normas socialmente estabelecidas não associassem as mulheres a ideais de recato, privacidade e falta de direito ao prazer.
De acordo com especialistas sobre crimes contra as mulheres, padrões rígidos e tradicionais acabam por 'autorizar' socialmente o julgamento e a ‘punição’ das mulheres que não seguem os padrões.
Após ter visto suas fotos íntimas divulgadas, a jornalista Rose Leonel resolveu criar a Organização Não-Governamental (ONG) Marias da Internet, para apoiar mulheres vítimas da pornografia de vingança. Para Rose, quando a mulher é vítima de porn revenge ela sofre três dores: a da traição da pessoa que amava, a vergonha da exposição e a dor da punição social.
“As vítimas deste tipo de crime são responsabilizadas pela maioria das pessoas, enquanto o agressor ainda é poupado pela sociedade machista”, relatou Rose Leonel em depoimento no Fórum Fale sem Medo, realizado em 2014.
Consentir fotos não é 'pedir' para ter intimidade exposta

Uma das dores das vítimas é ver as fotos tiradas em um momento de confiança serem divulgadas sem consentimento.
A distorção existente em torno de mulheres vítimas de violência é muito comum. Um exemplo é nos casos de estrupo, quando mulheres são culpabilizadas porque usavam roupas curtas ou decotadas. Para especialistas em direito da mulher, esse tipo de visão da sociedade é que precisa ser combatido em primeiro lugar.
Quando acontece a porn revenge, geralmente a mulher vítima é apontada como culpada, por ter permitido se deixar filmar ou fotografar nua ou praticando sexo, ou por terem enviado seus 'nudes' através de sexting. Acontece que essas fotos são tiradas em um momento de confiança e intimidade, portanto, divulgá-las sem consentimento é crime.
Inclusive as pessoas que recebem esse tipo de material e repassam adiante podem ser considerados cúmplices dos agressores. Mas o respaldo legal nem sempre ameniza a dor de, de repente, a mulher se deparar com sua intimidade exposta nas redes sociais, sendo divulgada em uma velocidade muito rápida, para milhões de pessoas.
O trauma causado por uma exposição de porn revenge é muito difícil de ser superado, por isso, é importante que a mulher procure um apoio psicológico. “Os sentimentos e medos mais comuns que a pessoa vivencia nesse momento são vergonha, culpa, angústia. Mas esses sentimentos precisam ser elaborados para que ela consiga enfrentar este momento difícil”, orienta a psicóloga Marcela Abreu.
Vítima de porn revenge inverte o jogo
Após ter suas fotos íntimas divulgadas pela internet, a estudante de jornalismo dinamarquesa Emma Holten teve uma iniciativa peculiar para lidar com o trauma. Num ato de coragem e ousadia, ela chamou a fotógrafa Cecilie Bødker Jensen e tirou fotos nuas, que ela mesma divulgou depois.

A ativista Emma Holten divulgou fotos nuas para mostrar diferença entre fotos consentidas e fotos que têm a intenção de humilhar.
O vídeo, disponível no YouTube, com seu depoimento e as fotos nuas consentidas teve mais de um milhão de acessos. Recusando a sentir vergonha do próprio corpo, o objetivo de Emma foi alertar sobre o fato de que as mulheres não devem se culpar ou sentir envergonhadas quando suas fotos vazam.
“Depois de tantas mensagens agressivas e ameaças, percebi que o problema não era comigo, não era pessoal. Era, sim, com o fato de eu ser mulher e ter tirado fotos nuas” disse a jovem vítima da porn revenge, que acabou se transformando em uma ativista do feminismo.
Emma espera que as suas fotos forcem as pessoas a refletirem sobre a diferença entre as imagens feitas com autorização e aquelas compartilhadas sem o conhecimento da vítima, com a intenção de humilhá-la.
Copyright fotos: iStock e Cecilie Bodker Jensen
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