Quem sofre de depressão enfrenta paradoxo entre banalização e preconceito
Conheça um pouco mais sobre a doença que atinge 10% da população brasileira e saiba como não confundi-la com uma fase de tristeza ou melancolia
Vez por outra um artista vem a público contar que sofre ou sofreu de depressão. Pois a depressão é uma doença que resulta de desequilíbrios químicos no cérebro, causados por problemas nas ligações entre os neurônios, em consequência de disfunções cerebrais intrínsecas ou de outros problemas orgânicos, como mau funcionamento da tireoide, anemia e menopausa, entre outros.
No último levantamento feito pela Organização Mundial de Saúde (OMS), dados apontam que a doença afeta cerca de 400 milhões de pessoas no mundo, o que representa 7% da população mundial. No país, estima-se que 10% dos brasileiros sofram de depressão.
Alvo de preconceito mas também de banalização, a depressão atinge muito mais mulheres do que homens e não faz distinção de classes, estilo de vida ou nível de instrução. Entre os que sofrem com o sintomas, o grande desafio é conseguir saber se é mesmo depressão ou se trata-se de uma fase de melancolia. Para ambos os casos, existem tratamentos distintos ou complementares, por isso é fundamental prestar atenção aos sinais.
De acordo com especialistas em transtornos psiquiátricos, o grande problema da depressão é a dificuldade do diagnóstico preciso. Se por um lado existe bloqueio em encarar a depressão como uma doença de fato, por outro tem aumentado o número de pessoas recorrendo a medicamentos antidepressivos como fuga a problemas reais.
Ditadura da felicidade
"Temos vivido uma era na qual as pessoas não querem atravessar os problemas. Uma 'ditadura da felicidade'. Tem um monte de gente se dizendo deprimido para tomar remédio, enquanto pessoas deprimidas de verdade não são admitidas pela sociedade. É paradoxal", avalia a psicanalista Maria Correa.
Situações como divórcio ou separações, perda de emprego, falta de dinheiro ou morte de uma pessoa querida alteram o trabalho dos neurotransmissores e, com isso, o estado emocional é afetado. Vontade de chorar, falta de ânimo e distúrbios de sono são comuns em fases difíceis. Procurar ajuda psicológica, mudar hábitos, fazer exercícios, desabafar e pedir ajuda a pessoas de confiança podem ajudar a sair deste estado.
"Algumas pessoas, quando recebem do médico um diagnóstico que estão com depressão, acabam sentindo um alívio enorme. Porque a grande dificuldade de nosso mundo atual é admitir que não se está vivendo as melhores férias do mundo, que não se está fazendo um programa tão legal quanto o dos amigos da rede social. É uma contradição", reflete a especialista.
Ela explica também que, ao mesmo tempo em que existe o preconceito com quem 'não tem motivos para ficar triste', no Brasil também há a tendência de apontar que todo mundo é deprimido. "E aí, vamos tomar um remedinho para superar as dificuldades", ironiza a psicanalista.
Banalização e preconceito
A banalização da prescrição de remédios controlados para quem está apenas vivendo uma fase ruim é tão grave quanto o preconceito que atinge quem realmente sofre de depressão. Foi o caso de uma publicitária do Rio de Janeiro, que prefere não se identificar.
Bonita, jovem, sem problemas financeiros e empregada em uma das maiores agências de publicidade do país, ela sofreu discriminação dentro de casa, devido à falta de conhecimento de seus pais sobre a doença.
"Eu comecei sentindo muito cansaço. Um dia, não fui trabalhar. No dia seguinte, parei de comer e só me levantava da cama para ir ao banheiro. No quinto dia, urinei na cama e foi quando minha mãe resolveu ligar para duas de minhas amigas mais próximas. Foi o que me salvou", conta a publicitária, que foi retirada, literalmente, à força da cama pelas amigas que lhe deram banho, vestiram-na e a levaram ao médico.
"Meu pai, um libanês que chegou ao Brasil fugido de uma guerra e conseguiu se tornar bem-sucedido partindo do nada, me acusava de estar triste de barriga cheia, mas eu simplesmente não conseguia me mexer", lembra a publicitária, que até hoje, cinco anos após a crise, ainda se sente envergonhada.
Mas, para o psiquiatra Ricardo Krause, a última coisa que se deve sentir quando se está deprimido é vergonha. O médico explica que procurar ajuda é fundamental nesses momentos e que nem sempre a família consegue auxiliar.
"Alguns pais se sentem como se tivessem falhado quando os filhos enfrentam problemas e por isso a ajuda vinda de pessoas de fora pode se tornar mais eficaz. Eu digo que ter amigos é um ótimo antídoto contra a depressão", afima o especialista.
Uma vez diagnosticada a depressão, o acompanhamento psiquiátrico é fundamental para que a doença não vire uma "companhia" e a medicação seja usada de forma controlada. Já as tristezas podem ser tratadas com terapias e com a ajuda dos verdadeiros amigos. Com isso, se evita cair no erro de achar que um remédio vai resolver todos os problemas que não se quer atravessar.
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