Como contornar a melancolia pós-parto?
Depois do parto, as mães se sentem muitas vezes desamparadas. Cansaço, sensação de não estar à altura, crises de choro repetitivas... É o que se chama melancolia pós-parto. Nossos especialistas explicam e relativizam esta etapa.
O depoimento das mães
A melancolia pós-parto atinge um bom número de mães assim que elas saem do hospital. Para a Revista da Mulher, as mães revisitaram esta dolorosa experiência:
Telma: “Três dias depois do parto, assim que voltei ao meu novo apartamento, me senti sozinha, cansada, esgotada, a criança que eu estava amamentando não queria sair do colo. Ela mamava a cada hora, ou até a cada meia-hora no seio (ela me julgava uma chupeta). Eu ainda estava gorda, não cabia nas minhas roupas e isso acabou comigo. A melancolia pós-parto passou assim como surgiu, mas o fato de meu companheiro pouco ligar para mim e me achar ridícula (ele nunca entendeu este assunto de hormônios, mesmo durante a gravidez... ), isso me tirou a vontade de reclamar; diante disso, eu ligava escondido para uma das minhas amigas, que estava justamente vivendo a mesma coisa naquele mesmo instante...”
Débora: “Logo depois do parto, eu chorava por qualquer coisa. O menor problema me parecia insuperável. Eu comecei a temer tudo o que poderia acontecer com a nossa família. Estava super cansada, principalmente no caso do meu terceiro filho, com o qual tinha tido muito mais trabalho. Com o tempo, a gente relativiza, aceita não ser perfeita, não ser uma 'super mãe', e a gente sorri ao ver o nosso filhote crescendo”.
Ingrid B.: “Assim que a placenta foi expulsa, senti um imenso vazio, o bebê na barriga me fazia falta, pois tínhamos travado tamanha cumplicidade!
Eu olhava este bebê fora de mim com muita incompreensão, era um estranho. Não me reconhecia como sendo a mãe dele e passei 2-3 semanas me dizendo que não tinha nascido para ser mãe e que eu tinha feito mal em tê-lo! Ao cabo de um mês, o amor começou a nascer, para se tornar agora verdadeira paixão. Eu tive uma família e uma infância difíceis, sei que não será sempre tão fácil”.
Em meio ao sentimento de impotência e de fragilidade, a mãe perde seus referenciais com a nova maternidade. Os especialistas explicam que esta etapa é positiva e que é preciso aceitá-la para viver da melhor forma possível uma relação com o bebê.
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O que é a melancolia pós-parto?
“A melancolia pós-parto é normal”, atestam os médicos. Este estado, que surge geralmente entre três e cinco dias depois da chegada do recém-nascido, se caracteriza por sentimentos muito confusos na mãe. “Especialmente se for seu primeiro filho, a mãe sente muita tristeza, misturada com uma sensação de vazio. Visto de fora, este mal-estar pode ser surpreendente, pois todas as condições estão reunidas para que ela se sinta realizada. Ela chora sem motivo, se sente frágil e vulnerável, desconfortável e irritada.”
A boa notícia é que este sentimento, experimentado por um bom número de mães, não é de forma alguma uma doença e dura apenas alguns dias, após a saída da maternidade. Como explica a especialista: “Depois da plenitude geralmente eufórica da gravidez, que se traduz por um significativo aumento da taxa de hormônios na mãe, a brutal queda deles conduz a uma sensação de vazio, que, somada ao cansaço e à sensação de não estar à altura, gera crises de choro e de desencorajamento”. Estas reações são frequentemente acompanhadas por um grande sentimento de culpa e de não ser compreendida pelos mais próximos. De fato, quando o bebê nasce, todo o mundo está feliz e parece inconcebível que a mãe não esteja bem...
“Os momentos mais difíceis são os de volta para casa, os primeiros dias sozinha, quando o pai retoma o trabalho, as primeiras noites em busca de entender por que este pequeno ser acorda sem parar. Esta tristeza pode durar um dia como três semanas. Em todos os casos, se os sintomas persistem e são acompanhados de problemas para dormir do e perda de apetite, uma incapacidade de cuidar da criança, uma diminuição persistente da libido, da vitalidade, da alegria de viver, é porque a mãe está mergulhando numa depressão.
Cuidado, não se deve, portanto, confundir a melancolia com a depressão pós-parto, que é muito mais grave e prolongada. “Neste caso, ela precisa consultar um especialista para se tratar.”
Na base deste problema, pode-se questionar a sociedade, que, ao valorizar a gravidez e o bebê, leva a jovem mãe a enfrentar longos momentos de solidão, quando ela se dá conta que seu pequeno chora frequentemente e exige muita atenção... Muitas jovens mães não se dão conta do trabalho que as espera, daí a angústia de não estar à altura da tarefa.
Como reencontrar o equilíbrio?
“Cuidando de si mesma!”, defendem os especialistas. “Mas, para isso, é inútil se forçar (e se sentir culpada) para deixar o seu recém-nascido nos braços da avó! Há muitas atividades que permitem às mães fazer algo de bom por elas mesmas, ainda que cuidando do bebê: as sessões de massagens, os passeios nos parques, a participação em grupos de novos pais... Além disso, não se deve ficar sozinha! Claro, se o pai estiver disponível, todas as atenções são bem-vindas: comidinhas, presentes, mimos, cumprimentos... A mãe precisa ser elogiada por este nascimento, tranquilizada em relação ao seu novo papel e seu inabalável poder de sedução. Mas é preciso que o homem, muitas vezes marinheiro de primeira viagem, empregada doméstica e cozinheiro improvisado, tenha tempo e energia para se encarregar. É por isso que as mães não devem hesitar em pedir o apoio de outras pessoas, se for necessário. A mãe delas, a irmã, a melhor amiga ou, ainda, uma parteira ou uma enfermeira, pouco importa o status desta “madrinha”, contanto possa oferecer sua interlocução, seu afeto e experiência à jovem mãe”.
A melancolia dos pais
Isso mesmo, os pais também podem sentir melancolia pós-parto. Embora não tenham carregado o bebê durante nove meses, isso não os impede de viver angústias muito legítimas.
Insônia, perda de apetite, irritabilidade: existem tantos sintomas que revelam as inquietudes íntimas deles e o medo de não estar à altura da tarefa. O pai não entende, em geral, o que está acontecendo com ele e se sente ainda mais culpado. Embora não viva as transformações físicas da mãe, sente-se ameaçado pela realidade dos fatos do dia para a noite e perde seus referenciais. Entre a pressão e o cansaço, o papai perde um pouco o rumo...
Para enfrentar a situação, o melhor é falar a respeito com pessoas próximas. Os pais devem encontrar uma interlocução benevolente por parte da companheira, para assumir serenamente este novo papel. Eles podem depois, aos poucos, entrar em contato com o bebê, cuidando dele sozinhos: este sentimento de impotência se dissipará rapidamente. Por fim, é essencial, da mesma forma que para a mãe, que eles possam encontrar pequenos momentos que os reconectem com as atividades de antes do bebê: esportes, programas com os amigos, etc...
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A aceitação
Como podemos explicar a melancolia pós-parto?
Quando a mulher está grávida, ela se sente plena em todos os sentidos: tanto no plano fisiológico como psicológico. Atrelada durante 9 meses a um sentimento de potência total, pois é admirada, protegida e paparicada, ela vive o parto como um sensação de vazio profundo. Ela passa da plenitude ao vazio, principalmente porque o recém-nascido é agora o centro das atenções. Por menos que a mãe tenha vivido ela própria um sentimento de abandono quando era pequena, sua angústia será maior ainda.
Por fim, ser mãe, é passar do sonho à realidade em pouquíssimo tempo. Esta transição se traduz por um estado normal de melancolia pós-parto, que vem acompanhar a mulher no seu novo papel de mãe.
No que esta etapa pode ser considerada positiva?
É absolutamente positiva no sentido em que a mãe se separa fisicamente da criança para, por fim, se reaproximar dela. Quando o bebê estava dentro da barriga, ele pertencia de alguma forma plenamente à mãe. Uma vez vindo ao mundo, esta diferenciação dos corpos lhe permite existir como indivíduo integralmente.
Este estado um pouco “depressivo” é, na realidade, um estado superficial: ele significa que a mulher depositou sua energia em outro lugar. Por exemplo, a ausência de libido lhe permite dedicar-se inteiramente, durante algum tempo, ao seu novo papel de mãe, para só depois se tornar novamente uma mulher para o pai. Este tempo de adaptação e de introspecção é necessário para construir nova identidade e ficar mais forte.
Por fim, a melancolia pós-parto significa também o advento da família no sentido em que uma relação triangular com o pai pode existir. Temos sempre tendência a acreditar que uma família é constituída de uma mãe, um pai e crianças. Embora esta imagem seja bonita para os fotógrafos, ela não representa a realidade: os pais evoluem e não são nunca os mesmos com cada um dos filhos. De fato, a cada novo nascimento, uma família se cria. A melancolia pós-parto traduz a instituição da família, numa relação pais-fihos sempre singular.
Como o ambiente em volta da mãe deve reagir?
Nós vivemos atualmente numa cultura maniqueísta onde tudo é triste ou alegre, sem nuances. As coisas são, todavia, bem mais complicadas. Assim, quando a mulher dá à luz, ela tem de estar profundamente feliz e realizada por isso. As pessoas próximas às vezes têm dificuldades para entender que a chegada do bebê possa estar associada a emoções negativas. As normas culturais são ruins para as mães, pois elas culpabilizam aquelas que não sentem esta grande alegria que parece tão natural.
Aconselha-se dar ouvidos a si mesma e aceitar este sofrimento passageiro. O meio deve entendê-las, sem nunca minimizar o que elas sentem. Mais a mulher luta contra a melancolia pós-parto, mais ela corre o risco de vê-la se impondo com força, talvez até sob a forma de uma depressão.
Além disso, o pai deve estar especialmente presente. Mais que tudo, ele deve deixar a mãe em paz, para que ela possa se dedicar integralmente, pelo menos nos primeiros tempos, à sua nova função. Ele deve evitar solicitá-la sexualmente sob-risco de confundi-la na relação de papéis mulher-mãe; não podemos esquecer que os órgãos genitais da mulher acolhem o nascimento, mas também as relações sexuais. É preciso, portanto, algum tempo para se considerar e ser considerada como mãe.
E o que acontece com as mulheres que não têm melancolia pós-parto?
São mulheres que não se permitem sentir sentimentos considerados negativos pela sociedade. Para parecer “forte”, elas reprimem o que sentem, o que pode ser ruim psicologicamente longo prazo. A melancolia pós-parto deve ser aceita para dar lugar à nova mulher...
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